domingo, 28 de novembro de 2010

Cavalo Marinho

De repente, olhei pro alto e vi. Era colorido e espesso, grande também. Parecia um tapete de luzes que ia se transformando, mudando de cores, de forma. Não sei por que perguntei a todos: - Vocês estão vendo o cavalo marinho? Éramos uns seis ou sete. Todos olhavam, mas ninguém via. E meu cavalo marinho sumiu no céu. Fiquei cismando aquele nome. Marinho por conta do céu? Mas e o cavalo? O cavalo marinho muda de cor? Era isso? Depois, um pouco depois, naquela mesma caminhada eu carregava uma menininha nos ombros. Não demorou pra que ela olhasse o céu: - olha, dizia ela, o cavalo marinho! Todos viam? Não sei dizer. Eu via. E o cavalo marinho agora já não era mais só meu. E a menininha perguntou: - porque ele vai embora?

E eu só queria saber se voltaria um dia.

2010                                por gguimalem

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Hipnose

Sorri como imagino ri Irene
Não de Caetano, mas a preta boa do Bandeira
Alegre, solto, puro.
Contagiante até.
 
Mas sorri também um sorriso leve
Estranho, maliciosamente doido.
Diabólico até.
 
Às vezes de outra forma
Misterioso, secreto, maliciosamente lindo.
Intencional até.
 
E sorri também, assim, com os olhos de menina
Meio doces, meio fechados, orientais a me orientar.
 
Preso, busco em vão uma janela
Nem se quisesse ou pudesse
Seus lábios a caminhar
Cúmplices dos olhos a sorrir
 
Atam-me atraem atracam-me m’traem m’atam-me.
                                                                                     por gguimalem

2010

sábado, 20 de novembro de 2010

Em cena

Aceno, ouso
Não me vê.
Parece que chora?!
Tão linda quanto doce
É seu canto
Em cena.

Sua presença, forte
E doce
Encantam-me.

Parece que choro...
Bravo! Bravíssimo!
Seus olhos...?
De novo aceno.

Estrela de minh’alma
Abaixo da tela, sob a máscara
Em tela
Eu sei, só pode ser
É ela!

                                                              por gguimalem

2010

Por um triz

Eras meu par
Sem susto

Viestes comigo
Sem erro

Todos os dias
Sem medo

Se não vinhas
Sem risco

Eis que me distraio

Que susto
Que erro
Que medo
Que risco!

Por um triz, te perco.
                                                                por gguimalem 
2010

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Vertigem

Sua cabeça na minha cabeça
Não cabe
Não caberia
Minha cabeça na sua
Soubesse, saberia
Seria doido, doído
Seus olhos na minha cabeça
Loucos, lânguidos
Doces
Caberiam
Na minha boca
Falariam
Coisas
Que nunca falariam.
                                             Por gguimalem

2010

Ara!

O povo solidão multidão barulho pensamento solto soltas as pessoas  atraso ordem medo futuro passado dia som medo de novo do novo ciúme amor filho vida menina velho novo do meio do povo do velho mundo do novo mundo França olhar de novo do sonho da menina com vida amor ciúme medo sem passado futuro sem ordem desordem e solidão muita no meio do mundo do povo. Ara!

                                                                                      por gguimalem

2010

domingo, 14 de novembro de 2010

O Cágado (poema de Guimarães Rosa)

Numa dobra da serra
há um minadouro,
uma bica,
e um poço azul.
E ali, na água redonda, pequenina e fria,
mora um cágado escafandrista,
filósofo pessimista,
que tem a mania de perseguição.

Quando o sol bate de cheio,
ele traz para fora a cuia emborcada,
e se aquece, aberto, em cima da laje,
chato, cascudo e feio.
Mas, se alguém pisa perto,
ele escorrega e pula, na água mansa
que explode e respinga.

Leva bom tempo
para assomar o focinho
de periscópio.
Mas, se é falso o alarma,
lá vem aflorando, levemente, à tona,
a concha remendada com fiapos de limo.
Depois, mais afoito,
o prudente reptil
passeia o dorso, convexo e abaulado,
como um “U-18”
da base de Kiel.

E o caipira guarda a vida do monstrengo
(Ai! meus pecados todos!...),
se o matarem, o olho d’água se evapora
(Ai! minha felicidade pequenina!...)
E o cágado, lento e pré-diluviano,
na cacimba da grota, espera outro Dilúvio...


Do livro de poemas Magma, de João Guimarães Rosa

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Déjà vu (Parte I)

Nenhuma verdade me machuca
Nenhum motivo me corrói
Até se eu ficar só na vontade, já não dói (
Peu Sousa / Pitty)

A gente estava numa cidade grande. Lembro-me que você se instalara em uma casa bem pequena. Só um quarto, com uma grande varanda. O piso de cimento, escoras de madeiras e muitas plantas. Uma cena me chamou a atenção. Era noite, perto da casa um bêbado de muletas, sem uma perna tentava se equilibrar. “Pinga derruba, pinga derruba”. Caiu. Tentamos levantá-lo. “Não falei que pinga derruba?”
Era engraçado. Era muito triste. Era noite.
Seu cabelo, não o dele, grande e fino, como macarrão em uma sopa. Saboroso. Não é que pinga derruba mesmo? Queria comer, mas quem comia era você. Seu cabelo macio, cheiroso. Qual seria mesmo o gosto?
Saímos para conhecer a cidade. Era bom. Já havia estado lá, sozinho. Sem você. Lembrava-me de alguma coisa. O mar, estradas de chão. Você sempre à frente. Caminhando. Sargaço. Uma ilha. Itamaracá. Tudo era novo pra mim. De novo me confundo. Não era eu, não era você. Vários, várias. Cidades, mares. Tantas ilhas. Era noite.
O mar, à noite, tem segredos. Tem o medo. Tem a lua. Parece até que ela olha pra dentro da gente. Seu olhar. Aquele olhar. Graças a Deus nunca mais vi.
Bora conhecer a cidade. Enquanto saíamos, um monte de gente entrava em sua casa. Você permitia. Que estranho.

Déjà vu (Parte II)

            Saímos. Você. New York. Maratona. Só você. Parecia um sonho.
Estava em NY para correr a maratona... Acordei bem cedo e fui pegar um ferry-boat para Manhattan. O ticket do ferry-boat era um pirulito. Comprei dois, pois sabia que meu amigo iria chegar. Na verdade o ferry-boat era um barquinho com um assento igual ao de estádio de futebol. Como naquele barco em Angra que pegamos.
Encontrei meu amigo, com cara de emburrado, como sempre. - Vou pegar meu kit de corrida e já volto, respondi a mim mesma. Não sei por que diabos eu estava de macacão jeans pra correr. Tinha um, na época da faculdade. Eu amava, era a coisa mais esculhambada que havia. Minha mãe odiava ver-me vestida com ele. Mas havia um kit para os corredores, e nele um short de corrida, que, na verdade, acho que era sempre uma camiseta...
Quando cheguei ao lugar uma moça começou a entregar-me um monte de coisas: um saco de chaveiro, miniaturas de uma mascote da corrida e sempre perguntando: - você quer o kit completo? Ao responder que sim, entregava-me outras tantas coisas. Só não sabia onde iria colocar tanto bagulho. Tinha que avisar, pedir pra me esperarem lá na barca. Voei. Mas ao chegar à barca avistei um velho querendo meu lugar. Não cedi. Como assim? Coisa doida. Sou assim não. Voltei voando pra pegar e a moça lá entregando até banco imobiliário, war, esses troços.
Na primeira vez eu queria andar. Muito. Queria conhecer tudo. Absorver as coisas, o tempo, tudo com meu próprio corpo. Meus olhos. Todos os meus sentidos. Sentir o cheiro observar as pessoas. Correr no park. Já estive lá um dia. Reconhecia? Segunda vez, será? Grandes ruas. Telas de Chagall. Mas isso já foi há algum tempo. Perdi-me.

Déjà vu (Parte III)

           Perdi-te em uma padaria. Só então percebi que estava com a bolsa de um pintor, manchada de tinta. Coisa estranha.
Fazer sopa de cabelo no banheiro. Cabelo fininho enrolado como um espaguete. Qual era mesmo o gosto?
Aos trezes anos recebi uma carta. 1988. Eu nem era botafogo. Acho que John Lennon morrera, morria. O sonho acabou? Aquela menina perguntava do menino. De Uberaba, de Recife. Recife de novo? Ele tinha ido embora num pássaro grande. Faltou um gesto, um olhar. Um beijo roubado. Foi? Voltava? Menina mais doida. Falava e saía andando. Um cheiro que não ganhei.
Resolvi voltar pra deixar a bolsa em sua casa. Encontrar-nos-íamos depois, na cidade. Quanta gente naquela pequena casa. Era noite. Parecia uma festa. Mas as pessoas, na maioria, estavam deitadas. No chão, nas escadas. Fui até seu quarto. Muita gente. Muita gente. Como pode? Quase não conseguia andar sem que pisasse em alguém. Pisava às vezes. Reclamavam. Ofereceram-me cerveja. Não aceitei.
Saí. Nessa hora percebi alguns velhos misturados aos mais jovens. Gente simples, peões. Menina doida, a casa é pequena, só tem um quarto e ainda chama esse povo todo? Logo ela, que nunca chama ninguém. Nem amigos. Como pode?
Resolvi partir ao seu encontro. Peguei meu carro. Era mais rápido. Lembro-me de um dia lhe oferecer carona em um caminhão.: - Onde você vai? Eu te levo. Lembranças suas, não minhas.
Dois velhinhos entraram comigo no carro. Cada um perseguia um destino. Um lugar. Como eu?
- Vamos, eu num conheço nada aqui, mas se quiserem dou carona. Deixo vocês na cidade. Qualquer lugar é bom, ofereci.
          No Rio é melhor. Lá é diferente. Não gosto de carnaval, no geral. Mas no Rio eu gosto. Não sei bem explicar. Não é o desfile. Nem vou à Sapucaí. Acho que é uma mistura de povo  cena. Como em uma performance. Algo no ar. Tudo no Rio me atrai. Esse ano, não vou. Mas ano que vem não me escapa. Sou Portela, sou Botafogo. Por isso gosto do Paulinho. Deve    ser. E a Marisa então?. “Cariocas são bonitos, cariocas são bacanas. Cariocas são sacanas,   cariocas são dourados...” vixe, mas isso aí num é coisa de gaúcho? Cariocas não gostam   de dias nublados, eu gosto!

Déjà vu (Parte IV)


Em qual rua eu estava? Perderam-me. Aff. Era pra você estar me esperando na padaria ou na rua. Num vi ninguém.
Cheguei ao alto da cidade. Eram duas ruas compridas que começavam meio juntas, como num vértice de um triângulo e que iam se afastando. Havia uma estação de trem e uma rodoviária, lá em cima.
Mas a rua é a outra, eu subi na rua errada, disse a mim mesmo. Acho que vou atravessar. À medida que as duas ruas se afastavam, outras tantas surgiam como degraus em uma escada.
O velho falou: - Deixa que eu faço isso. Ele num queria era ficar com o outro velhinho, logo percebi. Queria ir de bondinho. - Não, deixa comigo, respondi.
Saí do carro e peguei uma bicicleta. Quase no fim da ruela transversal olhei pra baixo. Parecia um bar. Três homens pelados tomando cerveja. Bem abaixo. Era um bar, com um banco de areia encostado em uma parede. Muito doido. Os caras eram magros pra caramba. Nos ombros de um deles, parecia que dois caranguejos haviam sido colocados debaixo da pele. Tatuagem tridimensional? Perguntei-me. Olhei ao lado, outro rapaz mais magro ainda. Um pênis minúsculo podia ser visto. Talvez fosse um hermafrodita. Órgão externo e interno, juntos. Estranho, muito estranho. Nada incomum com o terceiro moço. Perguntei-me: porque estariam pelados? Bar de nudismo? Coisa estranha. Vixe, deixa eu ir embora, pensei comigo mesmo. Devo ligar pra você. Devia.
Onde você estaria? Talvez com sua amiga psicóloga. Sei lá. Do celular inda avistei seu nome. Liguei. Sua vó atendeu. Naquele instante lembrei-me de tê-la conhecido. Na verdade a vi como se o celular fosse um tele transportador.
Ela perguntou: - quem é? Respondi perguntando: - é a dona Cora? Ela disse que sim. Falei que lhe procurava e ela me informou que havia trocado de celular. Fiquei com a sensação de conhecê-la. Cabelos branquinhos. Magrinha. Linda, como você um dia. O futuro no passado. Ou o contrário? Porque será que não gosto daquela cidade? Acho que nunca mais volto lá. Ah, se eu pudesse!
Era isso. Jeans e camiseta. Psicólogas japonesas. Saias e sapatos. Tudo muito certinho. Bonito até.
Hoje eu sonhei contigo, mas você nunca fala comigo.
Janeiro de 2010
Por gguimalem (gana)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Corolário de uma Presença

Uma.
Divisão da ausência,
Do não contido.
Métrica da pausa. Impossível?
Sem limites,
Além. Distante. Pra sempre.
Infinita.

2008

                                                      por gguimalem

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Antão

Se me busco em ânsia, perdido em mim
É porque são muitos
Os eus companheiros meus.

                                                            por gguimalem

2010

- Um outro pode ser a gente; mas a gente não pode ser um outro, nem convém... - o Dr.. Hilário completou.

Aí, pois, apareceu aquele homenzém, com o saco mal-cheio estabelecido na ponta do pau, do ombro, e se aproximou para os da roda, suplicou informação: - O qual é que é, aqui, mò que pergunte, por obséquio, o senhor doutor delegado? - ele extorquiu. Mas, antes que um outro desse resposta, o dr. Hilário mesmo indicou um Aduarte Antoniano, que estava lá - o sujeito mau, agarrado na ganância e falado de ser muito traiçoeiro. - "O doutor é este, amigo..."- o dr. Hilário, para se rir, falsificou. Apre, ei - e nisso já o homem, com insensata rapidez, desempecilhou o pau do saco, e desceu o dito na cabeça do Aduarte Antoniano - que nem fizesse questão de aleijar ou matar... A trapalhada: o homenzinho logo sojigado preso, e o Aduarte Antoniano socorrido, com o melôr e sangue num quebrado na cabeça, mas sem gravidade maior. Ante o que, o dr. Hilário, apreciador dos exemplos, só me disse: - Pouco se vive, e muito se vê... Reperguntei qual era o mote. - Um outro pode ser a gente; mas a gente não pode ser um outro, nem convém... - o Dr. Hilário completou.

João Guimarães Rosa - Trecho do Grande Sertão: Veredas.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Sortilégio da liberdade

Um buraco fundo
Que aflora o peito
Que afoga a pele

Fogo
Que beija as vísceras
Que queima a boca

Frio
Que afaga a morte
Abrasa o clima

Oco
Que enche o dia
Esvazia a sorte

Bravo
Que abranda o riso

Um buraco escuro
Da cor do peito
Que é meu destino
Que é minha razão

Fundo
Mas que dá pé

Louco
Mas que é prazer

São
Mas que é demente sofrer

Um buraco fundo
Que me faz espelho
Pra se envaidecer

Meu sofrido castigo
Minha lanterna caminho
Me ferrolho aguilhão

1982                                                                           por gguimalem

Caricato

Considerando a vida
Quisera diferi-la
Revolvendo assim
Toda a ansiedade

Quisera antes
Moldar meu ser
Depois o fruto
Servir a mesa

Mas o quanto posso
Não dá retrato
Sou caricato
De minha própria sede

Se o fruto é fruto
Não há quem coma
Se antes é carne
Não há partícipes

Não pinto a vida
A natureza morta
Sou caricato
De meu próprio ser

1982                                                                                               por gguimalem

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Mais fragmentos do Grande Sertão

Sempre sei, realmente. Só o que eu quis, todo o tempo, o que eu pelejei para achar, era uma só coisa - a inteira - cujo significado e vislumbrado dela eu vejo que sempre tive. A que era: que existe uma receita, a norma dum caminho certo, estreito, de cada pessoa viver - e essa pauta cada um tem - mas a gente mesmo, no comum, não sabe encontrar; como é que sozinho, por si, alguém ia poder encontrar e saber? Mas, esse norteado, tem. Tem que ter. Se não, a vida de todos ficava sendo sempre o confuso dessa doideira que é. E que: para cada dia, e cada hora, só uma ação possível da gente é que consegue ser certa. Aquilo está no encoberto; mas fora dessa conseqüência, tudo o que eu fizer, o que o senhor fizer, o que o beltrano fizer, o que todo-o-mundo fizer, ou deixar de fazer, fica sendo falso, e é errado. Ah, porque aquela outra é a lei, escondida e vivível mas não achável, do verdadeiro viver: que para cada pessoa, sua continuação, já foi projetada, como o que se põe, em teatro, para cada representador - sua parte, que antes já foi inventada, num papel...


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Quem sabe, tudo o que já está escrito tem constante reforma - mas que a gente não sabe em que rumo está - em bem ou mal, todo-o-tempo reformando?


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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas

Fragmentos do Grande Sertão...

Diz-que-direi ao senhor o que nem tanto é sabido: sempre que se começa ter amor a alguém, no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na idéia, querendo e ajudando; mas, quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente ama inteiriço fatal, carecendo de querer, e é um só facear com as surpresas. Amor desse, cresce primeiro; brota é depois.


João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Lambreta

A memória é fugidia,
o tempo uma referência.


Como gladiadores, as formigas uma a uma se enfrentavam. À vencedora o pior destino: enfrentar a próxima, e a próxima... A maior ou a mais forte. Garras contra garras. Cada menino com seu guerreiro, cada formiga com seu destino. Como César e seu polegar.
Crueldade e inocência: o remorso pune.
Meu guerreiro imbatível após uma semana de glória, tomba. Nunca. Nunca mais hei - de. Nunca mais. Inocência perdida. Nunca mais hei – de.
Um cheiro invade o ritual triste. Enterramos todas. Oração e remorso. Dor.
Alegria. Quitanda lá em casa? Pão de queijo quente. Quentinho. O cheiro impetuoso do fogão se mistura ao da terra. Esqueço meu desatino. Perdão. Seremos perdoados um dia? Vida que segue.
Um chamado. Certamente, um chamado. Pára tudo – euforia – pão de queijo!!!
Corre. Corro. É preciso ser rápido. Minha mãe me chama: - Tá pronto. O Pão de queijo tá pronto!!!!  Bora lá, quentinho é muito melhor. Perco-me nessas lembranças. Minha mãe, fogão de lenha. Pão de queijo, comida de minha mãe. Queria de novo, nunca mais. Do que será que ela se lembra? Vou perguntar. Nada.
Acorda! Perdão meu guerreiro. Nunca mais hei-de.
Atravessa à rua, o menino corre. Sem olhar. Alguém grita: - Espera!
O tempo. Uma faca que aponta. Pra onde? Viagem de físico, coisa de gente doida. Descrever o tempo com números. Racionais ou irracionais?
Era tarde. O gado precisava atravessar a cidade. Cidade pequena era assim. A gente não sabia onde era a cidade, onde era o morro, onde era a mata. Vez por outra corríamos feito gente grande a descobrir o mundo. Embrenhávamos na mata procurando jatobá maduro ou atrás de assombração. Achava? E não? Se variar, tô variando. Lá vinha o gado. Coisa de todo dia. Era a lida do meu peão. Zé Maria da seleção. Meu lateral, hoje seria um autêntico ala. Corria muito. Era veloz e resistente, feito uma lambreta. Será? Naquele tempo nem havia moto. Motocicleta.
No domingo a gente não perdia uma. Lambreta e Norberto no gol. Melhor que o Renato. Pegava todas. Morreu na faca. No puxa-faca. Crime e castigo. À margem, na lateral corriam minha, nossas vidas. Direito. Direito não era, mas o certo. Tinha que cumprir. Atravessava a cidade, Capim, todo dia campeando o gado, campeando a vida. Aboiava a lida de todos os dias. Domingo não. Amanhã tem jogo. Zé Maria. Seleção. Um sonho. Um sonho.
Acorda! Menino acorda!
Lá longe. Uma boiada. Um peão: - Acode! -A boiada estourou - alguém grita. A cidade em alarde. Corre. Cerca!
-Olha o gado! -Gente olha o gado! Saiam, saiam da frente!
Menino. Menino! Olha a boiada! Pára. Pára? Não, era melhor ter atravessado. No meio da corrida, o menino pára. Na rua, Recife. No Meio do Mundo. Que confusão é isso? Um bar chamado meio do mundo? Guimarães Rosa. Tutaméia. Ilusão, um sonho. Dias que virão para o menino.
Pára o menino. A boiada não. –Não! O peão grita.
Um segundo. Tenho que agir. Corro. Corro mais. É preciso salvar o menino. Mas meu cavalo é bravo. Salta na frente.  Incontrolável. Um bicho, uma fera. Parece até um demônio. Um demônio vingador de formigas. Será? Acho até que sai fogo de suas narinas. Seu casco procura o menino. A pata, patada. Salta. Mas eu salto junto. Animal, animais. Somos todos. Guerreiros e formigas. Puno. Pune. Um salto pra morte.
Meu vôo. Meu menino também voa. Tarde demais:
- Eu matei. Eu matei. Eu matei o filho do Moisés! Eu matei o filho do Moisés!
A multidão observa. Inertes. Ninguém ajuda?
Meu guerreiro, com o joelho arrebentado, me ergue em batalha. Tomba. Não resiste. Caio, ergue-me novamente. De novo ao chão. Quantas vezes mais, sem que alguém se mova? Minha cabeça três vezes ao chão se perde. Desmaiamos enfim. Ainda bem.
- O menino está bem, respondia o médico.
- Não, eu matei. Eu matei o filho do Moisés. Eu matei, retrucava o peão jogador.
- Não, o menino está bem. Mas e você? e você?, insistia o médico.  
E feito ave num conto funesto persigo ainda hoje: E você? E você? E você?



Agosto de 2008   por  gguimalem
                                                                                  

De l’haut d’une montagne



De l’haut d’une montagne, aujourd'hui j'ai essayé de me tuer.
Est-ce que comme un rêve avec un saut dans l’abîme, je suis parti.
Et comme un oiseau blessé, imperturbablement j’ai rien fait.
Toutefois, au fond  du précipice colossal en prévoyant mille baises,
Vous m’attendiez à sourire.                  

 Que soit celle-ci ma destination - une douce fatalité.
 Jusqu'à quand la mort, je cherche !
 La mort, elle vous habille et se dévient seule pour me recevoir



                                                                       por  Tatiares & gguimalem



Do alto de uma montanha
Do alto de uma montanha, hoje tentei me matar.
E eis que de um salto, como num sonho, pro abismo parti.
Caindo como um pássaro ferido, impassível, não me debatia.
Porém, no fundo do colossal precipício e já prevendo mil abraços, esperava-me a sorrir.
Que seja este o meu destino, esta doce fatalidade.
Pois se até quando a morte busco,
Nela você se veste e se transforma,
Só pra me receber.

Meu Par


Olho ao longe, a sorrir, meu par
Que a mim, também sorri
Tão longe de mim
Que trocados estamos entre tantos.

Até que em algum momento
Juntos
Ela sorrindo ainda, tão perto enfim
Ficamos.

Eis que de repente, assim
Sem minhas mãos a perco
E perdida, rumo às estrelas
Segue a sorrir, ainda

Com seus olhos, sem mim.


                                                                                                                por  gguimalem
2010

Something wrong

Some, não, sumo.
Somo, não, finjo.
Some e finge, something.
Qualquer coisa some
Algo some
Algo errado some, something wrong
Ausência, vazio
Cheio de nada
De coisa nenhuma, nothing
Que saiu, out
Sem mais com, whithout
Você.      


                                                                                      por gguimalem    
2010

                                                                                                                                                                                                                      

Humanu in excessu

Abstractu. Uma.
Indefinitu. An, a.
Focu. Uma Ana.


“Er lässt sich nicht lesen – não se deixa ler”


por gguimalem

Triste

A tristeza é um mal profundo
Mas a mim, inerente
Impossível prever se é bem que este mal me faz
Para que assim dele eu cuide
Ou se mal, dele me ausente
Arrancando em mim, uma parte
Alterando minha semente.
1982/2010                                                                                    
                                                                                                           por gguimalem